
Todos os dias nos visitavam e é claro que começamos a alimentá-los. Vinham comer quando não havia ninguém por perto e ao entardecer partiam livres.
Com o passar do tempo um deles foi entrando na cozinha devagar e logo percebeu que foi aceito. Recebeu o nome de Petróleo. Negro de olhos verdes expressivos foi andando devagarzinho para conhecer a casa. Passou a vir pedir comida com miados baixos e delicados.
Acostumou-se a ficar dormindo na recepção e onde pudesse ter sossego para proteger-se do frio ou refrescar-se no calor.
Todo mundo se afeiçoou a ele.
Percebemos sua função terapêutica. Nossos clientes que muitas vezes chegavam estressados da rua, logo se acalmavam ao acarinhá-lo. Petróleo se acostumou a essa troca de afeto e convidou sua mãe a participar desse ambiente seguro e acolhedor. Da mesma forma ela foi entrando de mansinho e miando baixinho. Um pouco mais assustada.

A cena dali a pouco mudava para bofetadas e mordidas. Uma correria pela casa. Os tapetes ganhavam vida e se movimentavam entre esses tapas e beijos.
Num instante Petróleo e Tigreza tornaram-se as mascotes da clínica.

Diferente, Tigreza gostava mais de entrar no armário onde sua comida estava, e de estar no meio dos expectadores a rolar pra lá e pra cá, brincando de se esconder nos tapetes e correr atrás do meigo e nobre Petróleo. Aquele belíssimo negro parecia causar-lhe inveja, então, ela fez uma amizade empolgante com o psicanalista. O cliente entrava na sala dele e ela também. Só havia um probleminha: ela é clausfóbica. Não pode ficar em ambientes fechados. Então mia para sair, sem querer impedir que façam sua terapia, porém... De porta aberta. Espera calmamente e assim que ele sai, agarra a perna dele e rola no chão. Sabe que isso dá “ibope”.
Petróleo seu inseparável companheiro sempre pagou o “pato” de sua revolta.Tiramos muitas fotos de suas brigas e “loves”.
De manhã os dois vinham tomar seu café acompanhado dos outros irmãos, filhos da Tigreza. Boquita um machinho tigrado de cara miúda com boquinha branca foi convidado a conhecer a casa por Petróleo. Ficamos parados para que não se assustasse, enquanto o anfitrião ia mostrando o caminho da sala. O “cara de pau” parecia dizer:
- Entre, a casa é nossa!

Agora; a história deles para nós era um mistério. Sabíamos que uma senhora os alimentava diariamente na casa ao lado que estava vazia, mas, quando chegávamos à comida já estava lá. Quem seria ela?
Petróleo já se aninhava no colo e aceitava nosso carinho e a Tigreza, mesmo sem gostar de colo, demonstrava seu interesse com miados e a exposição de sua enorme barriga sem nenhum constrangimento, para se exibir às pessoas.
Durante cinco meses convivemos assim, nos respeitando, até que numa sexta-feira triste de primavera o Petróleo sumiu. Exatamente em vinte sete de setembro. Esperamos por ele durante três dias.
Depois anunciei na internet, mas ele não tinha registro e aí, um gato preto comum... Ficou difícil.
Fantasias e histórias passaram a circular pela clínica, todo mundo perguntava por ele e logo vinha à tristeza e mais questionamento.
Todo o dia eu chegava com a esperança de encontrá-lo tomando sol com os outros. A Tigreza sentiu muita a falta dele e passou a acariciar o Boquita, mas não era a mesma coisa. Sozinha ela começou a tomar conta da casa tentando preencher o vazio que o nosso mascote deixou.
Dando asas a imaginação, começamos a acreditar que ele foi vítima de algum ritual macabro. Afastávamos o pensamento para não sofrermos mais.

Entre muitos telefonemas e conversas finalmente descobrimos que o Petróleo fora levado por ela. Um pânico nos invadiu:
- Será que ela os colecionava para vendê-los a rituais?
Traçamos um plano para descobrir quem ela era e resgatar o Petróleo se ainda estivesse vivo.
Tínhamos dois dias. Fizemos coleiras com improvisadas plaquetas, mas, só conseguimos colocar na Tigreza e no Boquita. Minha amiga não saía do telefone procurando quem pudesse nos ajudar com os registros e eu da internet procurando protetoras de animais e veterinários que pudessem vir aqui. Um caso de novela.
Não conseguíamos dormir. Como poderíamos perdê-los assim?
Lembrava-me do meu poodle que havia sumido sem registro, sem nenhuma identificação e eu ainda não o tinha de volta por conta disso. Uma dor seguida de imaginações me levava mais do que nunca não deixá-los ir sem saber pra onde e com quem.
Não suportaria. Combinamos estarmos na clínica sexta de manhã e fazermos àquela senhora entrar e nos explicar tudo. Arrumamos o gravador e máquina fotográfica. Pediríamos que preenchesse um cadastro e se ele estivesse vivo iríamos buscá-lo onde estivesse.
As informações chegaram. O Petróleo estava vivo!
Disseram que estava em um sítio. Aliviadas decidimos que iríamos descobrir o endereço.
Outra informação chegou, ele havia sido mordido por um cão.
Ficamos em dúvida novamente. A senhora que era conhecida no bairro por alimentar os animais, hora falava que era do bairro, hora que era de muito longe. Sendo assim porque viria alimentá-los ali? Um mistério.

A senhora disse que ele estava praticamente ao nosso lado, na mesma rua. Deu-me o nome e telefone da outra senhora que estava com ele e avisou-me que seria difícil ela devolvê-lo, pois ele havia sido mordido por um cão e assim levado ao veterinário para ser medicado e castrado. Adiantou que a pessoa tinha um gênio difícil e que precisaria falar com ela antes.
Mil coisas passavam por minha cabeça e tentando manter o controle, disse-lhe que o gato era nosso e que ela iria devolver sim. Ficou de voltar à noite para levar-nos lá.
O dia foi seguindo tenso. Com o mistério que ainda pairava no ar. Será que ele ainda estava vivo? Será que o substituiriam por outro gato preto? Estava num sítio ou ali?
Embora tenhamos acreditado em quase tudo, sentia-me culpada por ter pensado mal daquela senhora sofrida.
A noite parecia se esconder e preguiçosa não chegava nunca. Nossa energia parecia esgotada e sentíamos o peso da responsabilidade dos nossos atos.
Quase vinte horas quando finalmente ela chegou. Ufa!
Minha amiga, eu e a senhora franzina fomos de carro até lá. No hall do prédio percebemos um código entre a senhora sofrida e o zelador. Falavam por olhares apavorados. O zelador nos abriu o elevador rapidamente, mas, com um sorriso de dever cumprido.
O cheiro misturado com desinfetante ultrapassava a porta do apartamento. Assim que apertou a campainha uma senhora oriental apareceu. Fomos entrando com a casinha entre os olhares inexpressivos e cansados das duas protetoras. Minha amiga e eu ficamos paradas e a porta imediatamente foi fechada atrás de nós. De repente a sala antes vazia foi sendo invadida por gatos que vinham de todos os cômodos.

Petróleo aproximou-se e abaixei-me para que cheirasse minha mão; assim que me reconheceu os gatos invadiram e ele se perdeu no meio de tantos. Logo tinha uns vinte e cinco ou trinta gatos na sala. Lindos e maravilhosos. Em choque, por um momento o perdi e me apavorei com medo de levar gato errado. Minha amiga tentava conversar naturalmente com elas enquanto eu passava a mão nos pretos idênticos a ele para tentar encontrar diferenças.
Persas, Angorás e SRDS encantadores tomavam toda a cena.
A casinha que levamos caiu da cadeira o barulho os assustou e sumiram. As senhoras entreolharam-se nos recriminando pela falta de cuidado. Devagar eles começaram a voltar para sala. Passei a mão num gato preto e respirei aliviada por ele ter o rabo defeituoso. Uma outra deitada sobre um buffé era fêmea, e assim mais uma vez Petróleo se aproximou com um olhar agradecido por eu estar ali.

Começamos a sufocar ao imaginar que os lindos bichanos estariam aprisionados para sempre com ela em um apartamento. Numa vontade louca de libertá-los, colocamos Petróleo dentro da casinha, quando ela olhou pra ele triste, como se estivéssemos arrancando parte dela e disse:
- Viu, você ficava na janela querendo me deixar... Agora você vai. Era isso que queria, não? Então pode ir.
Olhei pra ela com ternura e entendi o que sentia.
Chegamos na clínica onde éramos esperadas. Abrimos a portinhola e ele olhou direto para o chão

Olhava tudo devagar como se quisesse que aquele momento durasse para sempre. Acarinhou as pessoas e abrimos a porta da cozinha onde a claustrofóbica Tigreza miava desesperada para entrar. O encontro foi fotografado. Um beijo carinhoso entre mãe e filho é sempre bonito. Mesmo sabendo que os animais esquecem esses vínculos, aquele momento foi especial para todos nós.
Era como se tivéssemos também encontrando a liberdade de simplesmente estar onde queremos. Emocionados fomos atrás dos dois. Tigreza o levou para a sala do psicanalista, seu lugar preferido. Deitou-se e esperou ser acariciada. Petróleo lavou-lhe toda a carinha e ela de olhos fechados levantou ainda o pescoço para que o banho fosse completo. O negro gato mal havia terminado e já levou um tapa daqueles pra aprender a não se aproximar de cães bravos; e tudo recomeçou...

Fomos embora acreditando que ele estaria ali no dia seguinte.
As informações de uma protetora de animais consciente chegaram até mim. Não basta alimentar os animais na rua, é preciso vaciná-los, registrá-los e castrá-los, porque uma cadela não castrada gerará através de seus descendentes, cerca de sessenta mil filhotes em apenas seis anos; quanto aos gatos, este número salta para quatrocentos e vinte mil novos animais. Cadelas se reproduzem a cada seis meses e gatas a cada três.
Simbolicamente o gato representa o feminino e o cão o masculino. Trabalhando há alguns anos na clínica de psicologia, aprendi um pouco sobre a força do símbolo e não gostaria de castrar um animal, mas, diante da morte deles nas ruas, sacrifícios e maus tratos,
Entendi com pessoas como ela, que somos responsáveis por tudo isso. Assim como à senhora oriental está aprisionada com o seu feminino, é preciso que nós o libertemos com a consciência do que eles representam pra cada um.
Agora adotamos de verdade os cinco felinos. Somos responsáveis por eles. Foi preciso que o Petróleo nos ensinasse que o amor implica em atitude e responsabilidade. Nunca iremos prendê-los!
E olhando os cinco felinos tomando seu banho de sol no quintal, lembro-me dos Saltimbancos:
- “Nós gatos já nascemos pobres, porém, já nascemos livres...”
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Elaine Barnes
20/10/2002
Nota: Essa história foi enviada para revista "Pulo do Gato" pela presidente do MICA ,Sra Maria José e publicada na edição 13 no final de 2002. Para eu postar aqui, sinto informar que as fotos deles ficaram na clínica que hoje não é mais minha. As fotos usadas aqui são de animais muito parecidos tiradas do site "Olhares". Logo depois que sai de lá, fiquei sabendo que a Tigreza morreu, chorei demais! O Petróleo ainda está vivo e a pouco tive notícias que ele abandonou a clínica. Para mim, foram momentos de troca de amor inesquecíveis. Os amo no coração.
Caramba Elaine, sua histórias com animais são interessantes, fiquei por minutos absorto, lendo sem parar...rs..rs...
ResponderExcluirVocê poderia ter escrito um livro, porque vc consegue prender o leitor.
Legal mesmo.
Abs
Os animais são seres fantásticos.
ResponderExcluirCadinho RoCo
passando rapidinho,só para te deixar um bom dia.
ResponderExcluirBelo post.(grande , mas ótimo, rs)
Maurizio
De volta.
ResponderExcluirCadinho RoCo
Passando rápidinho,mas voltoooo pra ler e comentar...
ResponderExcluiradorei os gatos....
beijossssssssss
oi Elaine.. senti muita saudade de ler suas histórias.. vc me encanta. me emociona..vc é um doce mesmo..de alma linda e muito sensivel..beijos querida
ResponderExcluirElaine,
ResponderExcluirJá lhe disseram que vocÊ amarra o leitor? Menina, li num fôlego só, sem respirar, tô meio roxa rsrsrs.
Lindo texto!
Escreve mais, please?
Beijos.
Puxa gente! Passei aqui para dar uma expiadinha. Nossa,estou surpresa! Muito obrigada a todos vocês amigos pelo carinho e atenção que tem me dado.Nem sei como responder sobre esse blog no de vocês, então sintam-se abraçados carinhosamente por mim.bjs a todos
ResponderExcluiros gatos sempre transportaram com eles um certo misticismo, provavelmente devido à importância que tinha na cultura egípcia.
ResponderExcluirAmadérrima Elaine Barnes,incrível história essa,um livro completo,amei,cada passo,busca,intensamente vivi,voce além de exelente escriba,roteirista de ponta é!também muitas histórias tenho de vida com amimais,principalmente cães,gatos e aves,moro em apartamento mem Ipanema,Rio,quase um zoológico!
ResponderExcluirMui linda história essa!
Amamos voce,pessoa ,escriba e mulher sensível!
Que lindo essa relação que você tem com os animais, e que delicia te ler.
ResponderExcluirEstou aqui faz tempo te lendo, e não canso.
Parabéns, lindas escritas de alma e coração.
Beijos da Flor!
Puxa, que história isso,heim? Muito lindo!Que bom que Petróleo está bem e espero que fique muito tempo junto aos oiutros. beijos,chica
ResponderExcluirO q não faz o cuidado e muito carinho, né.
ResponderExcluirGostaria de te deixar o "Selo Amigo fiel", está na lateral do blog, com imenso carinho.
mil beijos!
Elaine,
ResponderExcluirAmei tudo por aqui...
Que história linda, prendeu minha atenção.
Fiquei emocionada, atitude e responsabilidade, é isso aí!
Beijos :)
Ola Elaine! Vim agradecer a visita e conhecer o seu outro cantinho. Adorei! Onde tem animais e plantas e comigo mesmo rsrsrs... Muito interessante a história.Os animais estão sempre me ensinando alguma coisa , tenho 5 lindas cachorrinhas, 3 peguei na rua, que amo de paixão. São a alegria da casa.
ResponderExcluirVou voltar sempre nesse cantinho. Temos muita coisa parecida
Um grande beijo e lindos sonhos
Cris
Elaine tem um selinho pra vc la no meu cantinho Amigo do Coração, é um coração vermelho, tá
ResponderExcluirBeijos
Olá Elaine eu sou apaixonada por bichos, quando criança tive quase um 100, hoje só tenho 1 infelizmente.
ResponderExcluirDevido a falta de espaço, mas ele é para mim como um filho.
Parabéns pela iniciativa.
Seu blog é muito legal!
Beijinhos...
Agradeço com emoção todos os comentários. Vocês são especiais e de verdade, nunca imaginei que alguém fosse olhar esse blog.Sou péssima com textos e resolvi aprender treinando contar minhas histórias com bichos que amo.
ResponderExcluirEnfim, estou lentamente escrevendo sobre um cão que apareceu na imobiliária que trabalho.Ainda está cru,ele é tão terrível que nem sei como contar rs...mas,com paciência, aguardem...Vem aí... Koda! bjs a todos
Ai, chorei! eu teria ficado louca se minha gatinha sumisse, imagina! uma gracinha esse amor. Amo gatos, acho que eles sao de uma graça, elegancia e fidelidade sem limites. Simplesmente nos amam, sem submissao. Gostei muito da história, e pena que voce nao tem fotos deles =(
ResponderExcluirBeijos
Olá Elaine. Vim agradecer pelo selinho. Estou levando-o para o Casa das Flores Muriqui, obrigada.
ResponderExcluirQue bom que você contribui com o nosso planeta.
Fico muito feliz.
Beijinhos...
Voltei.
ResponderExcluirCadinho RoCo