quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Xabunga o cão filho da chuva


Chovia muito na noite que ele apareceu. Ninguém viu.
Muito sujo e sarnento deitou-se na garagem e dormiu.
Pela manhã a bisavó se surpreendeu com um cão no quintal.
A chuva tinha ido embora e seu pelo loiro brilhava com os primeiros raios de sol.
Bem, na verdade só as orelhas, porque só elas estavam limpas.
Ah! Também havia um brilho em seus olhos cor de mel.
Abanou o rabo, esticou o corpo espreguiçando e disfarçando virou de barriga pra cima como a admirar o céu.
Como quem nada quisesse, satisfeito, levantou para dar uma voltinha no terreno e lapt!
Levou vassourada. Era a bisavó desesperada:
-Sai cachorro! Gritava
O coitado baixou o rabo e não entendeu porque a velhinha estava tão brava.

No mesmo terreno tinha três moradias e uma pequena fábrica onde trabalhava o Sr Edu com mais um empregado. A família era unida, ocupavam três casas, Uma era virada pra uma rua de cima e as outras pra baixo em uma viela, mas, não tinham cachorro, a não ser um papagaio e um montão de gatos que viviam livres entre as casas e o quintal de terra do enorme do terreno.
Seu Edu chegou pra trabalhar e também não quis saber, espantou o cão com pedrada.
-Sai cachorro, passa!
O cão deu uma corrida e parou no portão olhando as pedras que passavam rente a ele. Como a indagar:
- Mas acabei de chegar e me recebem assim?
Não foi embora, deu meia volta, deitou no chão e se pos com as quatro patas pra cima.
Vai que cheio dessa pose, chamava a atenção! Que nada, veio mais pedrada!
Deu uma voltinha pela rua indignado. Voltou beirando o muro deixando sujeira. De fininho com os olhos caidinhos foi entrando no quintal de novo. Seu Edu com raiva esbravejava, espantava o cachorro e ameaçou bater.
Dona Irina mãe de Edu acordou assustada, vestiu um penhoar, as chinelas e saiu pra ver o que acontecia.
-Ah, bate nele não, coitado!
O cão gostou. Sentiu naquela senhora uma aliada.
Deitou-se com cara de dó embaixo da goiabeira e ali ficou com olhar de bicho de goiaba.
O pessoal foi aos seus afazeres e esqueceram dele. A noite chegou e o cão saiu pela rua a revirar os lixos. Voltou e dormiu. Dia seguinte, mais pedrada. Uma judiação!
A bisavó espantava o cão com vassourada. Lapt!
Ele saia e voltava pra ver se o povo tinha se acalmado. Entrava de fina como quem não quer nada. Só queria carinho mesmo.Ficar ali.
Então desistiram. Já estavam achando que era coisa de Deus. Seu Edu foi à farmácia comprar remédio pra sarna. O cão o acompanhou. O Seu Beto farmacêutico se assustou: --Êpa! Não tem cura não! Isso é sarna preta!
Seu Edu chegou bravo em casa e contou a história, então Carminha sua mulher que amava os animais falou:
- Deixa que eu cuido dele. Pra tudo se dá um jeito!
Carminha foi passando enxofre, óleo de carro queimado, desinfetante...
O bichinho foi ficando mais imundo ainda.
Uma grande amizade foi surgindo com a família. As filhas do casal. Marita e Carlinha corriam com ele pelo quintal. Deram-lhe o nome de Xabunga. Nome de um antigo cachorro que seu Edu teve quando era mais moço e havia contado pra elas.
O danado esperava na porta da cozinha da Dona Irina uma tigela de comida. No começo era pequena, mas, depois já era uma bacia. Xabunga comia demais!
Foi ficando confiado. Qdo via alguém da família parado, papeando, lá vinha ele, deitava em cima dos pés da pessoa e virava de barriga pra cima. Distraidamente, tiravam um dos pés debaixo dele e passavam em sua barriga coçando enquanto a conversa seguia seu rumo.
Era um cara de pau! Ele adorava isso. Viciou. Ficava ali se deliciando com a coçada.
O tempo foi passando e vieram as chuvas.
Xabunga dormia no quintal coberto, ganhou uma casinha. Quando ele ouvia a chuva no telhado. Saia correndo e ganhava a rua. Seguia até os caninhos de escoamento de água que saia das sacadas das casas.Como se fossem torneiras. Parava embaixo e tomava aquele banho de chuva.
As pessoas da rua que se abrigavam nos estabelecimentos: bares, farmácias, salões de beleza... Observavam o cão tomava banho embaixo dos canos e depois corria por todo lugar ensopado.
Ficou conhecido e famoso!
Depois de tanto remédio, ninguém soube dizer qual foi que o curou. Seu pelo loiro renasceu e Xabunga sarou.
D Carminha então resolveu dar um banho nele. Parece que pressentiu. Começou andar de marcha ré, como se tivesse lido os pensamentos dela e correu lá pra cima onde ficava a fabriquinha do seu Edu. D. Carminha avisou Paulinho o empregado, que Xabunga precisava tomar banho e havia fugido dela. Paulinho então colocou uma bacia de comida como chamariz e quando Xabunga veio comer, devagar foi amarrando uma corda comprida na coleira o enquanto o cão comia rosnando. Depois da corda amarrada conseguiu arrastar o cachorro até lá embaixo no quintal da casa. Foi um alvoroço! Pode uma coisa dessas? Um cão que mais parecia ser filho da chuva e tinha medo de banho?
Foi amarrado no portão. Um calor que Deus mandava! Quando viu a mangueira de água jorrando ficou desesperado. D. Carminha foi firme. Com muito sabão e uma escova foi domando Xabunga. Era muito óleo e sujeira naquele pelo. Ficou branco de espuma.
Paulinho ajudou. Foi logo puxando conversa, falando que o cão estava famoso, que quando ele passava pra ir ao bar buscar suco ou pão. Xabunga o acompanhava e as pessoas da rua iam apontando e comentando; - “Ele gosta da chuva em moço!”.
Depois do banho correu que nem louco pelo quintal e como vingança foi se sujar na terra do quintal!
Ele também acompanhava as meninas Marita e Carlinha até a escola. Elas adoravam! Sentiam-se protegidas e também gostavam quando ele era apontado por gente que elas nem conheciam direito. Parecia um astro ele!
Depois que ele ficava conhecendo as pessoas que costumavam freqüentar a fabrica; que paravam ali com seu Edu pra papear ou tomar um cafezinho. Se estivessem a pé, também acompanhava o pessoal até suas casas; mas, sempre voltava.
Depois da chuva então, Parece que ele sabia que iriam brigar com ele. Entrava no quintal mancando. D. Carminha falava com ele com dó.
“Oh meu bichinho, ta com reumatismo? Dói a sua perna menino. Oh dó viu!”.
Pronto. Bastou! Ele entendeu que ganhava um afeto. Toda vez que tomava chuva voltava mancando o esperto!
Nem todo mundo gostava dele, estava sempre sujo e algumas pulgas também faziam parte dele, tinha um jeito carente. Sua vida era livre, aceitava carinho, casinha, mas, não corrente.
Gostava de deitar nos pés das pessoas e ser coçado. Com as quatro patas pra cima olhava como que agradecendo aquele carinho.
O pessoal se acostumou com ele. As crianças em tê-lo nas brincadeiras. Roubava os brinquedos, deitava com o queixo em cima e não devolvia. D. Carminha era sempre chamada para distraí-lo e pegar o brinquedo com muito jeitinho.
Xabunga não podia passar da porta pra dentro e não entendia porquê a gata podia.
Ficava ali olhando na porta de vidro, a família reunida com a gata deitada na sala. Seu olhar era de agradecimento pela acolhida. Tinha boa comida em duas casas, mais a comida que sobrava do Paulinho, tinha casinha quentinha, quintal de terra, crianças, carinho e liberdade.
É sim. Seus olhos cor de mel traziam gratidão!
Ficava com as orelhas em pé, enquanto a gata passeava, se exibindo pela sala.
Nunca a atacou, respeitava aquela velha senhora que já estava há muitos anos na família.
Xabunga tinha grande responsabilidade. Ao menor barulho. Avisava.
Se estivesse molhado, mancava. Não esquecia. Impressionante!
Foi ficando mimado. Tinha três restaurantes pra comer. Ficou gordo. Até o açougueiro dava osso pra ele. Conquistava as pessoas o danado.
A vizinhança já o adotara também. Acompanhava todo mundo e tomava conta de todas as casa da vila.
O tempo foi passando e ele foi ficando abusado. Às vezes D. Carminha dormia no sofá com o braço pra fora. Ele ia entrando de mansinho e enfiava a cabeça embaixo da mão dela forçando um carinho. Ela acordava assustada e ele com aquele olhar pidão de dó mesmo. Saia de fininho.Fingindo vergonha.
Depois de um ano de muita história, em uma de suas noitadas descontraídas de liberdade. O loirinho esperto foi traído. Um carro o atropelou. Vieram chamar em casa Sr Edu pra salvá-lo. Dona Carminha nem quis subir. Seu Edu correu e o pegou. Tarde demais, ali não batia mais um coração.
Xabunga deixou a família, amigos, vizinhos e foi dar uma voltinha lá no céu. Quem sabe encantar os anjos com seus olhos cor de mel!
Deixou saudades. O seu corpo ainda estava no quintal, quando uma chuva fina foi caindo. Queria também se despedir do amigo tão fiel.


Elaine Barnes 22/07/1993


4 comentários:

  1. linda sua historia do cão Xabunga.. eu amo cães.. a minha morreu em dezembro passado.. te confesso que chorei lendo.. fico tão infeliz quando sei da morte de um cão.. mas quero parabeniza-la.. vc escreve de um jeito encantador..é contagiante.. beijos

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  2. Elaine: bati os olhos nesse cachorrinho e resolvi ler sua história; uma história que começou triste, teve um meio alegre, onde conseguiu conquistar a todos, mas não teve um final feliz. Temos, nós todos, dezenas de histórias de animais pra contar. Mas sempre dói quando o final é triste. Porém muito bem contada por você. Descobri que ainda não era tua seguidora!! rsrs, estou seguindo os dois, com muito prazer, moça!

    beijos, amiga.
    tais luso

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  3. eiiita que eu ainda nem tinha vindo aqui nesse seu cantinho liindo amo animais tbm ja tive tres cachorrros e uma infinidade d gatos perdi a conta agora tenho só um,rsrsrs
    passei pra agradecer a visitinha e o comentario
    beijinhus

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  4. nossa isso me deixou concentrato,gostei inclusive do nome,pois eh semelhante ao meu no: twitter.com/@xabungha

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